Crash Bandicoot N. Sane Trilogy | Análise
25/08/2017Lembro-me da primeira vez que joguei Crash Bandicoot. Eu tinha meus 7 anos (1998) e havia acabado de me mudar pra um bairro meio feioso onde meus únicos amigos eram do colégio, visto que minha mãe tinha um sério medo de me deixar sair de casa.
Nesse ambiente de “Todo Mundo Odeia o Chris”, meu pai – que sempre foi um aficionado por eletrônicos — vendo que eu não tinha diversão alguma em casa além do meu já velho Super NES, resolveu comprar pra mim um PlayStation.
O console já veio com pelo menos 40 CDs, já que meu velho trouxe o console de uma locadora que estava fechando, além disso e para minha surpresa, a maioria dos jogos lançados até aquela época tinham uma temática bem diferente do que eu estava acostumado: de lado ficaram os jogos bonitinhos de mascote e vieram jogos mais adultos, com cores mais sóbrias e tudo aquilo que você provavelmente já tá cansado de saber.
Como eu fui uma criança saudável e não tive pais desnaturados como alguns que dão GTA 5 pros filhos, fiquei um pouco incomodado com a falta de conteúdo que agradasse meu paladar em toda aquela pilha de CDs piratas de dar inveja a qualquer criança gringa que precisava esperar o aniversário pra comprar Resident Evil por sessenta dólares.
Ainda que tivesse passado ótimas semanas jogando Pandemonium, X-men: Children of Atom e Tekken 2, houve um momento que meu pai intercedeu e me levou numa locadora ali perto. Entre duas prateleiras — com jogos tão piratas quanto os meus — enxerguei uma capinha meio laranja com um sujeito sobrancelhudo: era Crash Bandicoot 2.
Paguei os R$2,00 reais do aluguel (em notas de 1, já que a notinha azul ainda não existia) e trouxe pra colocar no meu novo e desbloqueado videogame.
Gosto como Crash faz parte da minha infância e como ele é marcante de certa forma, chegando num gap de tempo entre a era dos jogos de mascote (como Mario e Sonic) e a sua estabilidade na era Rare do Nintendo 64.
A Naughty Dog, que hoje em dia se diz madura demais pra criar jogos mais simples como Crash, estava dando seus primeiros passos largos e após dois jogos sofríveis (um pro Mega e outro pro 3DO), se focou em criar um jogo de plataforma 3D para o console da Sony.
O resultado disso chegou em 1996, com o primeiro Crash.
O jogo em si é simples assim como o primeiro Mario: substitua os blocos por caixas, as moedas por frutas e a câmera lateral pelo rabo do Crash sambando na sua cara na maioria das fases, visto que a câmera fica atrás do personagem.
Diferentemente dos jogos do Bigode, a dificuldade no primeiro jogo é muito elevada, beirando a loucura. Talvez a melhor descrição possível de como esse jogo se torna difícil mais pro final seria “surrealismo contemporâneo”. A Naughty Dog fez o jogo baseado em pulos precisos e buracos, um fator que o torna bem diferente das sequências.
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Os saves também são cruéis: o jogo só salva ou te mostra o password (isso mesmo, dava pra jogar sem Memory Card) depois que o jogador encontra o bônus, que por sua vez necessita que 3 tokens sejam encontrados em determinadas fases, normalmente de três em três.
Completá-lo 100% era um trabalho hercúleo, já que alguns desafios incluíam passar dos cenários com todas as caixas e sem morrer! Sério, não conheço um ser humano vivo que conseguiu fazer isso, e mesmo no remake essa tarefa não ficou menos filha da puta.
Notas sobre o remake: apesar da dificuldade mantida, o problema do save foi corrigido, com direito a auto-save fase a fase e possibilidade de rejogar os bônus caso você morra neles. Outro pró é a adição da irmã de Crash, Coco, que é jogável em todas as fases. Infelizmente a engine nova causou um problema em todos os 3 jogos refeitos, onde o corpo do Crash é reconhecido pelo sistema de colisão do jogo como um ovo ao invés de um cilindro, fazendo com que o personagem escorre em algumas beiradas onde ele deveria ficar “na pontinha”.
Não é tão ruim quanto você pode ler em alguns sites mas vai demorar um bocado para o jogador das antigas se acostumar, já que isso leva a mortes injustas onde o personagem escorrega após um pulo onde na versão original seria perfeito, mas ainda assim de modo geral o resultado ainda é incrível.
Ver esse e os outros jogos em HD, mais bem animados — principalmente nas cutscenes — é um presente gigantesco pra quem se lembra dos clássicos. É o mais difícil da série e a relação de amor e ódio vai com certeza fazer aqueles que procuram um desafio mais elevado se apaixonarem.
Lançado originalmente em 1997, um ano antes de eu criar minha ficha naquela famigerada locadora, a Cachorro Safado melhorou o jogo em muitos aspectos.
O overworld da ilha — similar ao de Donkey Kong Country — deu lugar a salas com portais, deixando ao jogador a possibilidade de escolher a ordem das fases.
Os focos deixaram de ser os pulos precisos/buracos e se tornaram a coleta de gemas e cristais através de caminhos extras nas fases. Crash também está mais rápido, algo que facilmente se nota após passar um tempo jogando o primeiro game, além dos cenários bem mais abertos. Os chefes infelizmente estão mais fáceis, não necessitando uma ou duas vidas pra decodificar seu padrão de movimento e derrotá-los.
Algo que me surpreendeu negativamente é como a dificuldade dessa iteração parece ser mais injusta em relação ao primeiro. Em Crash 1 você se sentia aprendendo algo em cada morte. Já em Crash 2, a maioria das vezes você perde por causa de controles ruins em certos momentos, inimigos que te acertam sem te tocar ou que aparecem de repente na câmera.
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As fases, apesar de mais variadas esteticamente, me parecem menos inspiradas em level design. Existem novos movimentos para Crash, como a rasteira que pode ser usada antes de um pulo para ir mais longe e a barrigada, que só serve pra quebrar caixas de ferro, mas que atrasa o gameplay.
Notas sobre o remake: além das mudanças estéticas, facilitou-se o acesso a sala secreta, não sendo mais necessário passar de uma fase que dá acesso a ela toda vez que você queira entrar; agora o elevador central leva direto a ela, facilitando a vida de quem deseja buscar os 100% do jogo. Uma coisa horrível que fizeram foi a mecânica de deslizar no gelo; algo que já era um pouco ruim na versão clássica se tornou insuportável, e as três fases nesse ambiente se tornaram um martírio, principalmente se levar em conta que a última dela possuem as duas gemas mais difíceis do jogo.
Ah, algo que não citei no remake do primeiro foi a adição da relíquia de time trial, algo antes pertencente só ao Crash 3. Elas são necessárias para a platina (Na PSN) mas não para os 100% do game. Em Crash 2 foi adicionada a corrida com o botão R2, liberada somente após o termino do jogo, deixando a busca pelos melhores tempos mais dinâmica e mudando o ritmo do jogo completamente.
Talvez um dos jogos mais pirateados na segunda metade da era PSX, Crash Bandicoot 3 (ou “Warped”) não inovou muito em relação ao segundo jogo. Na versão original, foi o primeiro jogo a ter a habilidade de correr, além da bazuca que apesar de não deixar o gameplay mais dinâmico, traz mais um diferencial pra ser usado durante as fases mais próximas do fim. É um jogo mais maduro, com tudo em seu lugar.
Em destaque ficam as fases de Jet ski e de moto, que trazem um diferencial. A trilha sonora ganhou tons menos “tribais”, com maior variedade. A Naughty Dog encerraria aqui seu ciclo com jogos de plataforma do personagem, já que seu último jogo da franquia seria Crash Team Racing, que ficou de fora dos remakes.
Notas sobre o remake: como a Naughty Dog já havia polido suficientemente a engine, não houve necessidade de mudar muita coisa no terceiro jogo além de detalhes estéticos. Já que é assim, melhor aproveitar o parágrafo para considerações finais sobre a trilogia.
Voltando a minha infância, eu nunca cheguei a terminar nenhum dos três jogos. Talvez a grande oferta de games no console tenha me deixado com preguiça lá pela metade de cada um deles, porém sempre tive um apreço gigante por esse marsupial escroto e sua irmã nerd.
O foco pelo detalhe mostra o motivo da sua desenvolvedora hoje ser o principal trunfo da Sony em relação a seus concorrentes. Desde os movimentos do Crash até o design das fases, tudo parece feito com muito cuidado e possivelmente com diversos playtests até chegarem ao resultado ideal.
Os remakes da Vicarious Visions, que já haviam trabalhado em alguns jogos da série no início dos anos 2000, trouxeram de volta o clássico da maneira mais acurada possível. É óbvio que por não usarem a mesma engine e basicamente terem reconstruído cada jogo do zero, o trabalho deles não ficou perfeito, porém conseguiu emular e melhorar na medida do possível a série, de modo que o resultado em vendas e de avaliações foi muito maior do que o esperado por eles.
O mais incrível de tudo é ver como não mudaram quase nada, o que mostra que jogos com 20 anos de idade conseguiram ser trazidos para a geração atual como lançamentos, sem poréns. Tá certo que tiveram que cortar o seu preço, mas não tira em nada o mérito das duas empresas responsáveis por ambas as versões dos jogos.
O gênero de plataforma tem voltado com tudo nos dias atuais, com jogos como Ratchet & Clank, Skylar & Plux e Yooka-Laylee. Seria muito triste que Crash não fizesse parte desse revival.
Agora só falta uma máquina do tempo pra eu voltar pra 97 e terminar o Crash 2 antes de devolver pra locadora… =)
OBS: Esse review foi feito usando uma cópia de Crash Bandicoot N Sane Trilogy, providenciada pelo meu próprio bolso.
Tá achando que eu ganho cópia de review?