Kaze and the Wild Masks | Análise
31/03/2021Introdução
Eu pensei em colocar como título deste texto a frase: “Um pixel-art nada preguiçoso“. Muitos poderiam ter discordado, até porque envolve o ego e o ganha-pão de muita gente e por isso resolvi deixar de lado essa ideia.
Entendo perfeitamente quem acharia isso ruim, porém não podemos fingir que somos cegos e acharmos que todos os jogos indies que fazem uso de estilo de arte mais retrô são bons.
LEIAM – Tormenta: O Desafio dos Deuses | Falha Crítica
A própria Devolver Digital, que publica vários jogos nesse estilo, colocou no mercado muita coisa de qualidade um pouco abaixo do que se espera.
Essa não é uma crítica nova, porém muita gente abafa essas opiniões pra não botar o desenvolvedor pra baixo. Mais uma vez: discordo, mas compreendo.
O estúdio do jogo deste review por outro lado, não deixa nada a desejar com os games que trabalha. A PixelHive Game Studio, criada no Rio Grande do Sul em 2011, tem agora em 2021 seu maior projeto chegando a todas as plataformas possíveis (incluindo o Stadia). Estamos falando de Kaze and the Wild Masks.
O vento e as máscaras selvagens
Sendo um jogo clássico de plataforma 2D, o game apresenta um visual bem colorido e sem limitações visuais gráficas baseadas em algum jogo ou console antigo, como outros jogos modernos-retrô já fizeram, como Shovel Knight e os Mega Man 9 e 10 da IntiCreates.
Temos sim tudo feito em pixels, porém não existem limites de cores ou trilha sonora em chiptune. Todos os personagens são bem animados, com bastante frames, mesmo para os inimigos mais simples.
Por outro lado os cenários possuem uma identidade visual bem mais básica. As plataformas são bem fininhas e chapadas sem dar muita impressão de profundidade onde Kaze pisa. Contudo os cenários de fundo e de frente são bem usados, com muito efeito parallax.
Com isso, podemos perceber que a ideia era destacar os sprites dos personagens, característica essa muito vista nos jogos da série Klonoa, mais especificamente nos jogos da série para o Game Boy Advance.
Aliás, a própria protagonista Kaze tem um visual que remete bastante ao personagem da Namco. Inclusive, seu nome em japonês é “Kaze no Klonoa”, onde a primeira palavra significa “vento”.
A macaquice que é a jogabilidade
As inspirações do estúdio brasileiro são transparentes como o próprio vento. Se o visual de Kaze remete a Klonoa, sua jogabilidade serpenteia por diversos games dos anos 1990.
A primeira — e mais óbvia — referência é a série Donkey Kong Country. Desde a forma em que a protagonista pega os barri- digo, pedras para atingir inimigos, segurando-os sobre a cabeça com as orelhas da mesma forma que Dixie fazia em DKC2 e DKC3, até fases e inimigos que funcionam exatamente como suas versões originais produzidas pela Rareware em 1995 e 1996.
Além disso, Kaze usa itens que permitem que ela voe por algumas fases, funcionando exatamente como nas partes em que o jogador controlava o papagaio Squawks no game da Nintendo.
Inclusive, uma das primeiras fases que envolve essa mecânica é claramente inspirada em Bramble Blast, estágio de Donkey Kong Country 2 popular por sua música tema “Stickerbrush Symphony”, com direito a um labirinto de espinhos similar ao daquele game, que perdura por todo nível.
Já em outros lugares, é necessário se lançar por arcos/bestas que flutuam e se mexem pelo céu. São basicamente as versões dos barris de DK que passam no check de copyright.
Pra finalizar o tema Donkey Kong, temos a maior inspiração e talvez a mais sutil, que é o uso de um timing e momentum de controle do personagem muito similar.
Kaze não possui um botão de correr, porém seu ataque de giro acelera o movimento, permitindo saltos mais distantes, que podem ser esticados ainda mais se o jogador girar pra um buraco e pular no ar.
Essa é uma mecânica que veteranos do Super Nintendo vão saber usar com destreza e vai facilitar e muito algumas fases mais pra frente o jogo.
Jogabilidade: as outras inspirações
Nem só de macaco vive nossa coelhinha. Outros power-ups (as tais máscaras do título) aparecem com frequência e mudam o estilo de jogo de algumas fases.
Temos a máscara que faz a personagens voar; uma outra de tigre que deixa o jogo com uma pegada mais Mega Man X, com agarrões na parede e dash no ar; a máscara de tubarão faz Kaze nadar e dar giros na água, assim como acontecia nas fases subaquáticas de Crash Bandicoot Warped.
Uma outra, dessa vez sem inspirações claras, deixa Kaze correndo automaticamente, tornando a fase uma espécie de endless runner.
Enfim, a conclusão que tiramos é que o jogo se baseia em muita coisa e, diferentemente do que poderia facilmente acontecer, ele consegue obter sucesso em todas elas, já que tudo funciona perfeitamente.
Complecionismo para quem gosta
Kaze and the Wild Masks possui muitos coletáveis e conta cada coisa que é pega nas telas. Cada fase possui duas fases bônus, gemas (cem por fase, no mínimo) e as letras KONG- digo, K-A-Z-E, que também dá um item no fim.
Não há contagem de vidas, graças ao bom senhor Jesus, e os checkpoints são escassos mas justos. Raramente o jogador tem que andar um grande pedaço pra voltar até onde morreu.
Os segredos também são escondidos mas nada muito impossível. Os bônus são postos em lugares que às vezes estão fora do foco de visão do jogador, mas caso a pessoa esteja procurando por eles, não é difícil achá-los.
Dificuldade e apresentação
A dificuldade de Kaze and the Wild Masks também é muito bem distribuída, com o jogo começando mais simples e ensinando as mecânicas bem aos poucos. Aqui temos um desenvolvedor que estudou muito bem como apresentar desafios ao jogador.
Algumas fases e bônus podem se apresentar muito difíceis e frustrantes, porém nunca parece algo injusto. Os controles são bem precisos e nada surge de repente na tela. As mortes são parte do jogo e sempre ensinam algo a quem está com o controle nas mãos.
Não bastasse essa qualidade em relação ao nível, temos lutas contra chefes que realmente fazem com que nós aprendamos suas rotinas. Cada um remete muito — novamente — à série Donkey Kong, porém com um toque dos chefes de Mega Man X e até mesmo dos DKCs feitos pela Retro Studios.
A trilha sonora não é impressionante como a do jogo da qual Kaze puxa a maior inspiração, porém não fica fora de lugar. Temos músicas ambientes que combinam com as fases, mas nada muito além disso.
Também sem impressionar muito são as cutscenes. Obviamente temos que olhar para elas com um olhar menos crítico, pois se trata de um jogo indie de menor orçamento. PORÉM, acredito que a arte empregada nas cenas, desenhadas pelo/a mesmo/a artista responsável por todas as outras artes presentes no game, não combine muito com o visual pixel-art que nos acompanha durante toda jogatina.
Talvez aqui coubesse algumas animações simples em pixel-art similar a jogos antigos, ao invés de cenas com animações simples, parecidas com o que víamos no passado no que era feito com o programa Flash.
São artes bonitas, não me leve a mal, somente não acho que se encaixem no jogo.
Conclusão
Por fim, o jogo entrega muito conteúdo, pois existem conquistas/troféus para completar os coletáveis, zerar o game sem morrer (?!) e fazê-lo em menos de duas horas. Realmente tem conteúdo para um mês inteiro tranquilamente.
Kaze and the Wild Masks é mais um grande produto nacional e merece todo carinho e dinheiro que você quiser investir no game. Suas inspirações em clássicos são claras, mas se estão fazendo com tanta perfeição e carinho, não vejo problema nenhum nisso.
O game está disponível para PlayStation, Xbox, Steam, Switch e Stadia.
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Essa análise foi feita com uma cópia do game para PlayStation 4, cedida pela distribuidora.