The Gallery | Sofrendo pela Arte
17/09/2022O gênero dos FMV’s (Full Motion Video) é bem antigo, e tem sua parcela de importância na história dos video games, seja pelos motivos certos ou errados. Nos anos 80, quando os gráficos dos arcades ou consoles/computadores não eram tão avançados, Dragon’s Lair fez cabeças explodirem com sua animação fluída. Claro, que o jogo não era um “jogo” em si, era uma animação pra arcades onde tínhamos que pressionar inputs nas horas certas. O fato de não sabermos qual era a hora certa, certamente fez com que muitos créditos fossem gastos. E nisso, nascia um gênero, que corria paralelamente aos jogos normais.
O surgimento foi nos anos 80, mas com o advento das mídias em CD para os jogos nos anos 90 (com o Sega CD e o 3DO, além dos computadores), o gênero se tornou prolífero ao ponto da saturação. Tínhamos jogos que até hoje são lembrados com certo carinho e mesmo relançados, como Night Trap e Sewer Shark, mas também tínhamos absolutos lixos como Make My Video e Plumbers Don’t Wear Ties.
Depois da saturação, o gênero adormeceu, mas sua influência é meio que sentida até hoje, desde os quick-time events de séries como Shenmue e Yakuza, aos jogos interativos, como os jogos da Quantic Dream e da Telltale. De uns anos pra cá, obviamente, o gênero dos FMV’s ressurgiu, com desde relançamentos de jogos clássicos, a novos títulos, esses, obviamente variando em qualidade.
Dentre os produtores de novos títulos, um que se destaca é o diretor britânico Paul Raschid, responsável pelos elogiados The Complex e Five Dates (ambos de 2020, sendo Five Dates completamente produzido durante a pandemia, com os atores trabalhando remotamente de seus lares). E seu mais novo título era previsto primariamente pra Abril, mas foi adiado, chegando ao mercado agora em setembro.
Será que The Gallery mantém a onda dos jogos anteriores de Raschid ou falha miseravelmente feito American Hero? Descubra no nosso review.
Em tempos tenebrosos, suas escolhas pavimentam seu caminho
Como o jogo não tem um “gameplay” tradicional, vamos colocar a história e jogabilidade de The Gallery no mesmo barco. Enfim, o jogo oferece dois protagonistas distintos, não somente isso, mas a época em que os mesmos vivem, é diferente, com a protagonista feminina estando em 1981, e o protagonista masculino, em 2021. Com isso, apesar da premissa ser a mesma em ambas as épocas, todo o resto é diferente, os personagens que lidamos, os finais e tudo mais. Isso garante até um certo frescor pro gênero, já que usualmente estamos no controle de uma narrativa só.
The Gallery, tal qual os FMV’s modernos, tem dois tipos de “jogabilidade” na falta de melhor palavra, uma, é a experiência “interativa”, ou seja, acompanhe a narrativa, e nos momentos que o jogo indicar, você terá um tempo pra fazer as escolhas. A outra, o jogo funciona como uma visual novel, você acompanha a narrativa, e nos momentos chave, faz as escolhas, sem limite de tempo. O único problema que eu posso encontrar aqui, é que me parece que foi dado um pouquinho mais de atenção a narrativa dos anos 80, do que na de 2021, pela quantidade de finais. 12 da primeira timeline, contra 6 da segunda.
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Mas bem, vamos lá, no papel de um curador (ou curadora, dependendo da timeline escolhida) de arte, que acaba se tornando refém em sua própria galeria e precisa lidar com a situação, com suas escolhas determinando não somente o seu final, mas o destino de outras pessoas que podem ou não morrer. Uma jogatina regular de uma das timelines leva cerca de uma hora para concluir, assim com as duas timelines levando umas duas horas para se chegar a pelo menos um dos finais.
Felizmente, em playthroughs seguintes é possível pular os diálogos já vistos anteriormente, o que reduz o tempo de playthroughs posteriores. Claro, nem tudo é um mar de rosas porque como são duas tramas distintas (com o mesmo plot principal), nem todos os personagens secundários serão memoráveis ou terão tempo de tela o suficiente para que queiramos (possivelmente) salvá-los. (Mas eu sou bunda mole e vou sempre tentar salvar o maior numero de pessoas).
Atuações convincentes
É meio difícil julgar gráficos de um FMV na maior parte do tempo (a não ser que sejam aquelas compressões horríveis que tínhamos na época do Sega CD) porque na maior parte do tempo estamos vendo pessoas atuando, filmagens reais, etc. Então, nesse quesito eu posso julgar a parte da apresentação estética de The Gallery.
Criar uma identidade visual é importante, porque não somente dá justamente IDENTIDADE ao seu produto, mas deixa ele apresentável. Sério, tem um FMV sobre um dono de hotel que está morrendo que é abominável nesse quesito. Felizmente, The Gallery passa com boas notas nesse quesito. O visual dos menus é agradável e agrega valor ao produto.
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O elenco do jogo entrega boas atuações, encabeçado por Anna Popplewell (Susan, das Crônicas de Narnia) como a protagonista feminina e George Blagden (Athelstan em Vikings) como o protagonista masculino, e se temos um ponto fraco aqui, são os efeitos especiais que as vezes não são tão especiais, e talvez a trama em si que não é tão tensa quanto uma situação de reféns exigiria.
A trilha sonora cumpre seu papel de complementar o trabalho como um todo, mas não vai te chamar a atenção por mais de 3 segundos. E como quero encher um pouco de linguiça, recomendo que você dê uma procurada no gameplay do FMV de Kamen Rider pra Sega CD e confira a dublagem brega daquilo. Vale umas risadas.
Se você curte FMV, dê uma chance a The Gallery
Julgando dentro do gênero em que se encontra, The Gallery é uma boa adição a sua biblioteca. E vou aproveitar esse parágrafo de considerações finais dar uma opinião sobre o gênero em si. Eu até que tenho um certo carinho por FMV’s. Não que eles sejam o melhor gênero de jogo, longe disso. Mas eu gosto do fato de que eles são sinceros.
Veja, todo jogo “filminho”, como aqueles da Telltale, as porcarias da Quantic Dream ou qualquer outro jogo que tente se vender como “Interativo revolucionário” mas no fim das contas, só são FMV’s glorificados, mas chatos. Eles tentam parecer mais do que são, que são a invenção da roda ou sei lá mais o quê.
Os FMV’s são exatamente o que se propõem a ser: Filmes Interativos, nada mais e nada menos que isso. Sim, as vezes os FMV’s tentam colocar algo a mais (Sewer Shark era um Rail Shooter), até o próprio The Gallery tinha uma proposta de ser exibido no cinema de maneira interativa, com bastões luminosos onde o público presente faria as escolhas (não sei se houve).
The Gallery está disponível para PC, PlayStation 4, Nintendo Switch, iOS e Android, com uma versão para Xbox One a caminho e possui legendas em português brasileiro.
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Essa análise foi feita com uma cópia digital de PlayStation 4 gentilmente cedida pela Aviary Studios.