Gran Turismo 7: The Real Driving Simulator | Análise
24/10/2022Gran Turismo não é somente uma franquia de sucesso, é oficialmente, em números de unidades vendidas, a maior franquia exclusiva do PlayStation da história, com mais de 100 milhões de unidades vendidas ao todo. Um verdadeiro monstro sagrado da indústria.
Tendo seu último jogo principal sendo lançado no longínquo ano de 2013, Gran Turismo 7 tinha absurdas expectativas por parte do público: trazer verdadeiras evoluções à franquia, vista por muitos como estagnada e até mesmo ultrapassada quando comparada a sua principal concorrente, e ainda manter vivo seu público competitivo, algo que angariou com muito sucesso em Gran Turismo Sport.
Enquanto fã de Gran Turismo minhas expectativas para com o sétimo jogo da franquia, não nego, estavam altíssimas. O hype estava nas alturas.
Atualmente, com mais de 260 horas de jogo desde seu lançamento, posso afirmar com certeza que Gran Turismo 7 é um excelente Gran Turismo, mas que as expectativas gerais para com o jogo com certeza não foram alcançadas.
Importante ressaltar que minha experiência com o jogo se limita à jogatina no PlayStation 4, ou seja, tudo o que for escrito daqui para frente é relacionado a Gran Turismo 7 rodando exclusivamente nesse console.
Gran Turismo 7 para PlayStation 4 me foi gentilmente cedido pelo meu bolso.
Eu quero jogar!
Assim como em Final Fantasy 7 a caixa de Gran Turismo 7 contêm dois discos, um disco de dados (usado para instalação do jogo no HD do console) e um disco de reprodução (usado para efetivamente jogar o jogo).
A instalação inicial do jogo com o disco de dados é demorada, afinal de contas o jogo é gigantesco, e dependendo da velocidade da sua conexão de internet a atualização também vai demorar. Assim como foi em Gran Turismo Sport, as atualizações aqui são usualmente substanciais e pesadas.
Após esse processo se findar é necessário ainda um segundo processo de instalação, in game, usando o disco de reprodução. Enquanto esse atual processo de instalação acontece é possível ter acesso ao primeiro conteúdo de verdade do jogo, o Rally Musical.
LEIAM – Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder´s Revenge | Análise
Esse modo de jogo nada mais é que um Time Attack repaginado. Nele é necessário ultrapassar todos os oponentes, em pistas pré-determinadas, usando os carros designados, enquanto a música estiver tocando. O tempo limite para isso diminui seguindo as batidas da música.
Apesar de ser um conteúdo opcional, o Rally Musical possui troféus a ele relacionados, ou seja, se quiser platinar Gran Turismo 7 terá de passar um tempinho nesse modo de jogo.
Após a finalização do segundo processo de instalação do jogo (e mais de uma hora “perdida” no processo) finalmente é permitido ao jogador ter acesso aos modos de jogo principais e a intro do game.
Lenny Kravitz é a cabeça da minh(…)
Lá nas idas de Gran Turismo e Gran Turismo 2 para o saudoso Playstation original, assim como, imagino, todo brasileiro, meu meio de comprar jogos para o console era o bom e velho “3 por 10 reais”.
Isso aliado a um momento na história da indústria em que os jogos comumente saíam antes no Japão e minha falta de paciência de aguardar a versão americana de um jogo sair, criou em mim vínculo imediato e que jamais será quebrado: Gran Turismo e “Moon Over the Castle”.
“Moon Over the Castle” é a música tema da franquia e que embala a intro de quase todos seus os jogos. Talvez quem esteja lendo esse texto nesse momento possa não ter ciência desse fato, já que as versões americanas dos jogos de Gran Turismo sempre tiveram suas intros alteradas.
Descobri isso em tempo real já no PlayStation 2, com Gran Turismo 3, jogo que teve toda a intro remixada e a utilização da música “Are You Gonna Go My Way”. Desde então, eu odeio Lenny Kravitz do amago da minha maldita alma.
Gran Turismo 6 não teve a música da intro alterada, mas foi o único jogo da franquia que mesmo em sua versão nipônica não teve a utilização de “Moon Over the Castle”.
Essa história toda serve basicamente para comemorar o fato de em Gran Turismo 7 não ter havido alterações nas intros das versões japonesa e americana. Ou seja, “Moon Over the Castle” toca em toda a sua glória em uma sequência de vídeo que reverencia o automobilismo e faz paralelo desse universo com momentos marcantes da história moderna humana.
Em resumo: assista pela menos uma vez essa intro inteira. É linda e convenientemente está disponível logo a seguir.
“A Maioria das Funções Exige Conexão à Internet”
O subtítulo logo acima está estampado na caixa de Gran Turismo 7 e é o maior problema do jogo enquanto produto.
Com a exceção dos modos Rally Musical e Arcade, tudo do jogo exige que o console esteja conectado à internet. Não é só o conteúdo online (o que seria óbvio), mas absolutamente todo o conteúdo relevante (e majoritariamente off-line) demanda conexão constante.
De acordo com Kazunori Yamauchi, criador e responsável até hoje pela franquia Gran Turismo, essa necessidade se dá para garantir a integridade e segurança dos dados de save do jogo. Ou seja, o jogo só realiza save do que se está fazendo se o console estiver conectado à internet. E sim, isso inclui o Rally Musical.
Caso você, jogador inveterado de Gran Turismo 7, esteja sem conexão à internet e queira ir adiantando um pouco do Rally Musical para ir em busca daquela platina esperta, se foderá. O jogo não irá salvar o seu progresso em nada do que fizer.
LEIAM – Yomawari: Lost in the Dark | Análise
Se há algo com o qual eu jamais concordarei é criar um problema para resolver outro. Garanto que haveria outra solução para “garantir a integridade e segurança” dos dados de save game que não criasse um problema tão gigantesco e atabalhoado quanto não permitir que o seu consumidor não possa desfrutar plenamente de um produto adquirido, mesmo em instancias que não dependeriam de conexão à internet não fosse essa necessidade artificialmente criada.
Inclusive já aconteceu um problema grave por conta dessa exigência de conectividade na curta história do jogo no mercado. Pouco após o lançamento foi lançado um patch de correção para alguns bugs do jogo e esse patch causou um problema que deixou o jogo sem conexão com os servidores por mais de 24 horas. Consumidores que pagaram full price em um lançamento (incluindo o bocó aqui) ficaram, ainda em período de lançamento, mais de 24 horas sem poder jogar o jogo.
Isso fora a questão de preservação história. Se o jogo não permite acessar todo o seu conteúdo sem que esteja conectado aos seus servidores, uma vez que esses servidores sejam desligados o jogo literalmente morrerá e o jogador terá somente dois cortadores de pizza personalizados. Isso considerando quem comprou a mídia física.
Gran Turismo 4 Feelings
Após a intro, o jogador é levado a um submenu para a escolha entre o Rally Musical e o Mapa-Múndi. Aqui também há informações acerca das atualizações do jogo, bugs conhecidos, informações sobre o circuito eSports, entre outros.
O Mapa-Múndi é o coração de Gran Turismo 7. Uma vez acessado é apresentado o hub principal do jogo. Felizmente esse hub em nada parece as abominações de layout de ícones que foram Gran Turismo 5 e 6, se assemelhando a um mix entre os hubs de Gran Turismo 2 e especialmente o 4.
Na primeira vez em que se acessa o Mapa-Múndi o jogador é guiado pelas opções ali presentes por personagens do cenário competitivo de Gran Turismo como o brasileiro Igor Fraga. A progressão dessa apresentação é bem lenta e pode cansar o jogador mais apreensivo para apenas correr, mas é necessária.
O modo principal de jogo off-line é o Café. Nele são apresentadas basicamente competições e pré-requisitos (posição mínima de conclusão, carro a ser usado, entre outros) em que se devem terminar as corridas indicadas.
Prosseguir no Café é necessário para liberar outras opções no Mapa-Múndi. Algumas coisas estão inacessíveis de início e é necessário prosseguir no Café para ter acesso a tudo.
Os demais modos de jogo não fogem ao que se espera de um jogo de corrida no geral e especificamente de um Gran Turismo, com direito as famigeradas e deliciosas Licenças, uma área completa para compra de carros novos, uma de carros usados, modos competitivos e casuais de corridas online, área de melhoria, configuração e customização dos carros, e por aí vai.
O modo Scapes de Gran Turismo Sport retorna para os aficionados por carros e fotografia e acredite, isso pode viciar mais fácil do que se imagina. Volta também a opção de criação e compartilhamento de macacões, capacetes e pinturas personalizadas de automóveis. É impressionante como tem gente criativa e dedicada a criar tais conteúdos em abundância e de qualidade.
Pontos Fortes e Velozes
Gran Turismo sempre foi sinônimo de um excelente equilíbrio entre simulação e acessibilidade e isso não mudou na sétima versão. Com as opções default de auxílios de direção ativas é possível correr sem grandes problemas, desde que compreenda que o jogo não é arcade e que se respeite o básico da frenagem, reaceleração e direção.
Para quem quiser se aventurar em experiências mais próximas da simulação, é possível configurar as opções de auxílios de direção para tal. Fora que usar um bom volante é essencial para esse intento.
Fica claro aqui, assim como nos jogos anteriores da franquia, que o real esforço no que cerne a gráficos está na representação mais fidedigna o possível de cada automóvel presente no jogo e aí ele realmente brilha.
O visual do jogo é impressionante (e aqui, lembro-lhes, estou tratando única e exclusivamente da versão de PlayStation 4). Os detalhes de construção de cada automóvel são surreais e os cockpits são únicos para cada carro. O efeito de deformidade dos reflexos e da luz nas carrocerias são muito convincentes e as pistas e cenários no geral cumprem muito bem seus papéis.
A chuva pode determinar efetivamente o resultado de uma corrida. É possível acompanhar ao longo da corrida a telemetria, ou seja, o jogador terá de realizar tomadas de decisão em tempo real de ir ou não ao pit stop para uma troca de pneus. Isso é especialmente crucial em pistas longas como La Sarthe, por exemplo. Acredite, correr com pneus slick em uma pista muito molhada é basicamente impossível.
A conexão nos modos online é bem mais estável do que em Gran Turismo Sport, o que permite uma experiência melhor ao longo das corridas. É possível criar lobbys personalizados, escolhendo pista e regras gerais da corrida, ou participar de corridas pré-determinadas cíclicas, que valem pontos para o circuito de eSport de Gran Turismo no modo GT Sport.
Há uma boa quantidade de circuitos disponíveis, bem como uma grande variedade de automóveis, de várias categorias, para escolha.
Por fim, fica claro que a Polyphony Digital pretende dar um suporte contínuo e duradouro ao jogo, assim como foi em Gran Turismo 6 e Gran Turismo Sport.
Pontos Fracos e Derrapadas
Infelizmente, a cada passo na direção certa que a franquia deu nessa sétima versão, também deu um para trás, em especial se considerarmos que não houve sequer a tentativa de correção de alguns problemas já antigos e ainda presentes.
Como já comentado anteriormente, a necessidade de o console estar sempre online para se ter acesso ao conteúdo do jogo é o que mais mancha Gran Turismo 7. Desnecessário, irritante e uma completa filha da putagem.
Outro gigantesco problema, em especial no lançamento, se dá na forma obviamente cretina em que, seja Sony ou Polyphony, deseja todo e qualquer centavo da carteira no jogador. O modelo de microtransação aqui implementada é extremamente agressiva.
É possível comprar créditos do jogo com dinheiro real. Até aí, tudo bem. Entretanto, nerfaram absurdamente a quantidade de créditos que era possível ganhar a cada evento (seja porque o evento paga muito pouco, seja porque o evento é muito longo para o que paga) e aumentaram astronomicamente o valor que cada carro custa em créditos do jogo, quando comparado a jogos anteriores da franquia.
Como resultado disso temos um jogo em que é mais demorado ganhar créditos e em que tudo é mais caro que outrora.
Os créditos para serem adquiridos com dinheiro real são absurdamente caros, ou seja, se o jogador tiver interesse em comprar créditos, terá de desembolsar quantias de dinheiro generosas.
Ao contrário de Gran Turismo Sport não é possível comprar um item em específico no dinheiro, é necessário comprar créditos de um dos pacotes fechados disponibilizados pelo jogo.
Para finalizar, resolveram implementar um sistema de “quantidade de carros disponíveis” nas áreas de compras de carros usados e na compra de carros lendários. No caso dos carros lendários a coisa é ainda pior, pois os automóveis ficam disponíveis para a compra somente por um período de tempo e sabe-se lá quando e por quanto voltarão.
O sistema todo foi claramente montado para sugar dinheiro enlouquecidamente do jogador mais afoito. Lembrando que não estamos falando de um jogo free-to-play, mas um Triplo A que custou em seu lançamento preço cheio.
Esse sistema safado de microtransação somado ao “allways online” manchou severamente o lançamento de Gran Turismo 7. Foram tomadas algumas atitudes sobre as microtransações, mas sobre a questão da necessidade de estar permanentemente online não tem mais volta.
Sobre pontos fracos do jogo em si, vale apontar que ainda não há danos físicos verdadeiros nos carros após batidas (apenas mecânicos) e que ainda não é possível ser retirado de uma corrida que possua danos como regra do evento por quebra de carro, não importa o quão violenta forem as batidas.
Pneus ainda não estouram, mesmo que se tente. O jogador basicamente não vai conseguir correr com um pneu que tenha acabado porque o carro vai ter zero de grip na pista, mas ele não vai estourar.
São detalhes que esperávamos ver há algum tempo na franquia e que em pleno 2022, ano da Copa do Mundo (o Elon Musk está fazendo foguetes), ainda não estão inclusos em Gran Turismo, o “The Real Driving Simulator”.
O som dos motores dos carros também é um relativo problema antigo da franquia que ainda está presente aqui. Fica claro o quanto a franquia melhora a cada jogo novo nesse quesito, mas ainda come poeira de seus rivais diretos e até mesmo de jogos alguns jogos arcades (Grid manda lembranças).
Os eventos oficiais de corrida do jogo são poucos no geral e mal distribuídos. Há pistas que possuem vários eventos, mas outras somente um ou dois. Qual a justificativa da pista de fucking Interlagos possuir somente dois eventos?!
Os loading times são relativamente longos, problema esse que sei que a versão de Playstation 5 não possui. Estou ciente de que isso é algo difícil de contornar no geral, mas incomoda após algumas horas de jogo.
Por fim, me é incompreensível como a inteligência artificial dos corredores controlados pelo jogo ainda é tão arcaica na franquia, o que não é diferente nessa sétima versão. Basicamente os corredores possuem um traçado que devem seguir e o farão, não importa a situação.
Já faz anos que a Sony trabalha em uma inteligência artificial avançadíssima para jogos de corrida chamada GT Sophy. Nos testes feitos contra jogadores profissionais de Gran Turismo os resultados se mostraram surpreendentes. Como ainda não está pronta, obviamente não foi aplicada em Gran Turismo 7, mas a promessa é que isso aconteça “em breve”.
Independente de GT Sophy estar pronta ou não, não tem o minúsculo cabimento o que foi entregue no jogo base. Já vimos ao longo desses últimos anos inteligências artificiais em jogos de corrida muito melhores do que o apresentado nos jogos da franquia Gran Turismo, o que obviamente inclui essa sétima versão.
Linha de Chegada
Gran Turismo 7 é ao mesmo tempo um ótimo representante da franquia e um produto decepcionante. Enquanto seus pontos fortes permanecem sendo aprimoradas fortalezas, seus pontos fracos continuam sendo fraquezas. Fica claro aqui a indiferença do time de desenvolvimento para com aquilo que todo o fã não xiita da franquia deseja verdadeiramente que evolua.
Adicione isso às patifarias da exigência de conexão à internet e o sistema ganancioso de microtransação e você compreenderá o merecido burburinho negativo que o lançamento do jogo causou.
Não se engane, Gran Turismo 7 é um ótimo jogo, mas com um dos pés preso no passado e regado a péssimas decisões corporativas. Honestamente e pessoalmente, a franquia está passando da hora de se espelhar no que os seus competidores diretos estão fazendo de melhor e, talvez, uma mudança de liderança de projeto seja bem-vinda. Talvez seja hora de tirar Gran Turismo das mãos de Kazunori Yamauchi, porque da Sony não tem como tirar.