Chained Echoes | Vivemos num eterno ciclo de nostalgia
07/04/2023Cada ano que passa estamos avançando cada vez mais como civilização. Enquanto a tecnologia e nosso jeito de pensar continua evoluindo sempre estamos com a mente pras coisas que nos trazem boas lembranças, é por isso que ainda existe uma indústria que explora a nostalgia de quem já viveu pelo menos um terço da vida.
Brincando com a nossa nostalgia sempre, trazendo produtos antigos a tona, dando uma nova cara ou refazendo para atender o público atual.
É por isso que existe um sentimento de que muitas produções áudio visuais recentes não são mais originais, são só coisas refeitas, seja a Disney pegando suas animações e transformando em live-actions medíocres, seja a indústria de vídeo games, pegando seu catalogo de jogos clássicos (e alguns nem tão clássicos assim) pra poderem se alimentar daquela pessoa que olha para aquilo e fala “Nossa lembrou da minha infância isso aqui”. E não isso não é uma referencia ao Davy Jones, isso é o que as grandes empresas tem feito, vender nostalgia é algo que garante dinheiro e pega o publico que não teve a oportunidade de jogar.
Um lado da indústria de jogos que brinca com a nossas memorias afetivas mas sem a facilidade de usar uma propriedade intelectual já estabelecida é a indústria dos jogos indies.
Estúdios pequenos compostos por pessoas que certamente cresceram jogando vídeo jogos, e que utilizam das influencias que tiveram para criar uma experiência ao mesmo tempo semelhante, mas também nova com muitas ideias diferentes. E o grande caso que pegou todos de surpresa foi um joguinho inspiradíssimo em JRPGs (não deixem o Yoshi P ler isso) da época do Super Nintendo, Chained Echoes.
A homenagem das homenagens
Esse é mais um daqueles projetos que você não acredita que foi feito por uma pessoa só, quer dizer, tirando a trilha sonora, todo o resto é feito pelo desenvolvedor alemão, Mathias Linda e teve seu jogo publicado pela empresa Deck 13 Spotlight em dezembro de 2022.
Como eu disse, Chained Echoes é muito inspirado em jogos de RPG japonês da era 16/32-bits, mas eu diria mais especificamente de jogos da Square, o jeito de como o jogo se apresenta me lembra bastante Chrono Trigger, a arte dos personagens e o jeito como a trama tem bastante politicagem, me lembra algo como os Final Fantasy que se passam no universo de Ivalice, sem contar que temos batalhas com Mechas que já me fazem pensar em Xenogears. Então ao invés de considerar Chained Echoes como uma homenagem ao estilo JRPG, eu diria que ele é mais um Square-Enix-like, no sentindo que é muito obvio de ver onde estão suas inspirações.
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Tantas são as inspirações, que o jogo as vezes brinca com suas expectativas. Logo de cara o ele abre com sua suposta mãe te acordando para começar mais um dia de protagonista de RPG oriental, mas logo assim que nosso garoto Glenn desperta, ele percebe que está dentro de um navio voador sendo acordado por um dos soldados que o chama para embarcar num robô gigante e partir para a guerra. O que acontece é que o nosso garoto faz parte de um grupo mercenário que foi pago para retomar uma cidade que está sendo feita de refém pelo inimigo, e o único jeito de invadi-la é destruindo o cristal que energiza seu sistema de defesa. O jogo faz uma boa introdução as suas mecânicas de batalha logo de início, mas isso não é importante agora.
O que é importante é que na verdade aquilo que você estava indo destruir, era algo que não deveria ser feito. O cristal destruído causa uma destruição em massa como uma bomba destruindo tudo ao redor. Como consequência dessa fatalidade, ouve um tratado de paz entre os três reinos que estavam em guerra por gerações, e a história segue alguns anos após essa tragédia, um festival (ala festival do Milênio em Chrono Trigger) está sendo feito em um dos reinos para comemorar o tratado, mas existem pessoas que não estão felizes com isso e estão tramando coisas às escondidas para que o caos retorne ao continente de Valandis.
A jornada
Chained Echoes brilha muito logo nesse começo apresentando uma boa parte dos personagens neste mesmo cenário, cada um com sua história e seus objetivos sendo guiados para o momento em que tudo se culmina e assim juntos partem numa aventura, assim como uma boa campanha de RPG de mesa. Esse é um jogo com muito texto, mas tudo muito bem escrito, e com bom humor, não me senti cansado de ler em nenhum momento e isso já diz muito sobre a sua qualidade.
Outro aspecto que gosto bastante é a quantidade de personagens não jogáveis que preenchem as cidades do jogo, dando aquela sensação mais viva pros ambientes, claro que o Seu Mathias fez de um jeito que nem todo mundo tem uma caixa de diálogo, pois se não seria insuportável, principalmente pra mim que fala com todo mundo como se valesse de algo.
A qualidade visual da arte em pixels também é muito impressionante, apesar de ser algo inspirado em 16-bits, existe uma certa fidelidade que me lembra um pouco os jogos de Game Boy Advance. Talvez a única coisa que me incomode são as fotos dos personagens, mas isso foi algo que com o tempo eu acostumei.
A dança das batalhas
Mas aonde Chained Echoes brilha de verdade é no combate. Você vai encontrar inimigos nas áreas onde for explorar e quando os enfrentar, as batalhas serão por turno como de costume nesse tipo de jogo com quatro personagens na dianteira e outros quatro na retaguarda, com o grupo com uma quantidade máxima de oito, que o jogo permite trocar de boneco no meio da luta mais ou menos como Final Fantasy X. Mas diferente de muito JRPG, é que ele funciona de uma maneira que faz com que toda batalha seja intensa e que você utilize tudo que tu tem disponível, já que no final todo seu HP e MP é preenchido de volta, então não existe aquela coisa de ficar economizando técnicas e itens pra um inimigo mais forte, pressionando o ataque até ganhar. Outra coisa que fortalece mais ainda essa ideia de te tirar do conforto da repetição, é o sistema de Overdrive.
Esse sistema ele funciona da seguinte forma, você tem uma barra horizontal no canto superior esquerdo com uma setinha apontando pra ela. Nessa barra tem as cores da esquerda pra direita; amarela, verde e vermelha. Toda ação no turno faz com que essa setinha se mova pra frente na direção da próxima cor. Então da amarela ela vai pra verde, e o que isso significa? Quer dizer que você chegou no ponto de vantagem, oque eles chamam de Overdrive.
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É ponto aonde você vai querer estar sempre, já que ele vai te dar vantagens como diminuir o dano do inimigo, cortar pela metade o custo de MP, te deixar mais forte, dentre outras. Mas como eu já disse, tudo que tu faz move a sua seta pra frente inclusive tomar dano, então se passar do verde pro vermelho, aí você entra no Overheat, que é aonde vai acontecer tudo de ruim, mais danos dos inimigos, técnicas e magias custam mais e etc.
Então o jogo te oferece meios pra que você consiga guiar essa seta pra que ela sempre fique no Overdrive, você pode defender, trocar de personagem, algumas técnicas e magias podem retornar ela também. Em Chained Echoes ele te obriga a prestar atenção nos seus movimentos para que você tenha sempre a vantagem ao seu lado.
Diga não ao Grind
Em um jogo como esse sempre é levantado o questionamento se ele tem o famigerado Grind! E graças aos deuses dos JRPGs, esse não é o caso.
Em Chained Echoes não existe experiência nem níveis, oque acontece aqui é que algumas batalhas te dão um recurso chamado Grimoire Chards, que agem como pontos de habilidade pra você gastar em seus personagens, assim você pode usar adquirindo novas habilidades de combate, habilidades passivas e aumentar seus atributos como força, defesa, pontos de vida.
Além disso você pode encontrar pelo mundo cristais que podem ser colocados em seus equipamentos assim como as matérias em Final Fantasy VII, mas aqui eles só aumentam atributos e dão novas habilidades passivas. Ainda da pra fazer a fusão dos cristais garantindo vantagens ainda melhores. Dessa forma o jogo garante que você tenha uma grande variedade e formas de como construir seus personagens, mas não desvirtuando muito das características básicas deles.
Robôs que funcionam como carros
E se você achou que acabou por aí, calma que o jogo depois de muitas horas ainda te apresenta outro tipo de combate que é com os robôs gigantes. Assim como a batalha normal, onde temos a barra de Overdrive, com os robôs existe uma barra de Gear (marcha), da qual as duas extremidades são vermelhas e o meio é amarelo. Então com o robô existe um esquema de marchas sendo a primeira, segunda e neutra. Assim, na primeira marcha é como se fosse fazer seu monstro de lata se mover pra atacar, mas toda a ação que tomar a seta vai pra direita.
Na segunda marcha, você causa mais dano só que com desvantagem de gastar 50% a mais de MP e tudo que fizer a seta vai pra esquerda. Já a neutra faz com que a seta fique parada e você ainda ganha mais defesa e recupera MP.
É uma maneira muito inteligente de criar outros tipos de desafios, assim você não precisa só ficar de olho na barra, mas também ver em que marcha vai estar cada um dos seus robôs
Conclusão
É muito impressionante ver como todas essas mecânicas funcionam bem em Chained Echoes, e no decorrer dessa resenha eu pontuava alguns jogos que eu consigo de onde vieram algumas ideias.
Como já dito, eu gosto de nostalgia, mas dou muito valor pras pessoas que conseguem transformar essa nostalgia em algo novo, pegando emprestado todo esse legado jogos que foram feitos durante anos e criando algo novo e simples em cima disso. É por isso que muitos jogos independentes acabam se destacando mais do que blockbuster das grandes empresas.
Tenho certeza de que veremos muitos outros jogos do Seu Matthias no futuro, agora talvez com uma equipe e um projeto mais ambicioso ou até mesmo uma sequência pra esse fantástico JRPG que não é jota, eu posso dizer que Chained Echoes foi a maior surpresa de 2022.