Indiana Jones e o Grande Círculo | Análise

Indiana Jones e o Grande Círculo | Análise

22/12/2024 0 Por Tony Santos

Harrison Ford é um ator que já nos proporcionou grandes momentos com a franquia Indiana Jones. E quando eu digo “grandes“, eu nem sempre quero dizer que são “bons“.

Entre os cinco filmes da série, é consenso que os três primeiros são os que valem de verdade, enquanto que os dois modernos, onde o ator já está velho, não chegam nem perto da qualidade dos longas dos anos 80.

Já no que tange aos videogames, a coisa é um pouco diferente. Tivemos jogos desde o Atari, passando pelos adventure games feitos pela LucasArts como The Graphic Adventure (1982) e Fate of Atlantis (1992); jogos de plataforma 3D parecidos com Tomb Raider, como é o caso de Infernal Machine (1999) para Nintendo 64 e PC e o ótimo e esquecido Emperor’s Tomb (2003).

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Ou seja, apesar de não ser uma franquia de tremendo sucesso nesse tipo de mídia, sempre tivemos de tempos em tempos, um jogo bom do explorador de tumbas. Não somente isso, mas é fato conhecido que sem Jones, não teríamos Lara Croft e nem Nathan Drake.

E falando nesses dois personagens, muito se falava sobre uma possível volta de Indiana Jones aos jogos em um game AAA, que talvez fizesse a volta completa e se inspirasse naqueles jogos que ele serviu de influência.

Assim, em 2021, a Bethesda e a MachineGames anunciaram Indiana Jones and the Great Circle. Mas será que o jogo entrega tudo que anos de expectativa sobre como seria um jogo moderno do Indy? Vamos ver.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Visão Geral

Indiana Jones e o Grande Círculo chegou às lojas em 2024 com a promessa de contar uma aventura inédita do personagem durante seu auge. Ou seja, nada de Indiana idoso fazendo estripulias que o corpo do ator Harrison Ford seria incapaz de realizar.

Sua aparência foi utilizada no game, assim como a do falecido ator Denholm Elliott, que interpretava o amigo de Jones, Marcus Brody. Indy foi dublado por Troy Baker e não por Ford, já que sua voz idosa não combinaria com o personagem mais jovem.

Troy Baker, apesar de ser repetidamente usado em todos os jogos lançados no ocidente, faz um ótimo trabalho, sendo praticamente irreconhecível no papel.

Outra participação pouco falada é de Tony Todd, que interpreta um deuteragonista e que, infelizmente, veio a ser seu último papel, já que o ator faleceu no final de 2024.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Primeira pessoa?

Como falei parágrafos acima, Indiana Jones e o Grande Círculo poderia seguir o caminho mais óbvio, e ser um Uncharted/Tomb Raider em mundo aberto, usando Harrison Ford ao invés do caçador de recompensas da Naughty Dog.

O que ocorre é que esse jogo foi feito pela MachineGames, responsável pelos jogos da série Wolfenstein modernos, que como você deve saber, são FPS. Eles possuem zero experiência em criar jogos em terceira pessoa, pelo menos não como a Naughty Dog tem, então eles optaram por uma rota diferente aqui.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

No jogo, controlamos Indy em primeira pessoa. É uma decisão controversa, visto que a graça de jogarmos com um personagem popular é justamente vermos ele na tela o tempo todo.

A MachineGames, sabendo disso, fez uma mistura, mostrando Indy em diversos momentos, como em escaladas, ao se pendurar com seu chicote e também no menu principal, que mostram seu personagem no exato ponto onde você salvou pela última vez.

Isso sem falar que em cutscenes espalhadas por todo jogo, o Dr. Jones sempre aparece, então não é como se você não visse o ator o tempo todo.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

A escolha por essas transições mostra que num futuro, é possível até que saia um update com um modo em terceira pessoa, mas eu não botaria fé.

Pouca gente sabe, mas planejar um jogo nesses dois tipos de câmera (1ª e 3ª) são escopos bem diferentes. Tamanho dos cenários, interação entre personagens, colisão com objetos… tudo isso precisa ser meticulosamente trabalhado de forma diferente para que um personagem na tela não fique estranho e pareça mal feito, principalmente num mundo onde existem coisas absurdas como The Last of Us 2.

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Por outro lado, por mais polêmica que seja a escolha, o jogo funciona e muito bem. Explorar tumbas em primeira pessoa, se esgueirar dos inimigos e até mesmo partes de plataforma, todos funcionam legal enquanto vemos apenas os braços e pernas de Indy.

No fim, não é a perspectiva que ninguém esperava, mas acabou saindo algo diferente do padrão e muito bem feito.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Gameplay: Exploração

Falei sobre como a câmera em 1ª pessoa funciona bem, então vou falar um pouco da jogabilidade e do loop de gameplay.

O jogo não é linear na maior parte do tempo, sendo um game de mundo aberto similar a The Witcher 3 e outros do gênero. a diferença é que ao invés de um extenso mapa, temos três áreas grandes: Vaticano, Egito e Sião (nome antigo da Tailândia).

Existem outras áreas lineares que ocorrem entre essas para avançar a história que quebram esse ritmo de mundo aberto também, o que é bom para o ritmo da história.

A maior parte do tempo você passa nesse mundo aberto, fazendo quests principais e paralelas. As paralelas não se limitam a pegar item no ponto A e falar com NPCs no ponto B. Elas são mini arcos de história, normalmente fechadas em si, quase como um episódio de série de TV.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Esse tipo de narrativa encurtada para missões paralelas agrada MUITO MAIS do que as famigeradas fetch quests, e é bom ver a indústria largando esse tipo de missão vazia de vez em favor de algo com mais conteúdo.

A progressão de Jones para ficar mais “forte” durante a aventura também foge — graças a Deus — da famigerada árvore de habilidades, que está aí uns 15 anos aparecendo em tudo que é jogo.

Aqui Jones melhora sua energia, estamina e combate encontrando livros pelo cenário. Cada livro tem uma habilidade nova e você precisa usar pontos de aventura para lê-los.

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Esses pontos de aventura são conseguidos avançando nas missões ou tirando fotos dos diversas partes do cenário, como puzzles, paisagens ou de alguns personagens.

É algo nada complicado, bem intuitivo e que funciona de forma diegética com o contexto do jogo.

Ainda assim, a última área, Sião, parece aparecer em um ponto onde a história já deveria estar se amarrando para o final, e por ser um local mais complicado de explorar devido a uso do barco, se torna um pouco cansativa e talvez até desnecessária para o contexto geral da narrativa e do gameplay.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Gameplay: Combate

O combate de Indiana Jones e o Grande Círculo não é seu maior forte, mas também não é de todo mal. Jones não é um fuzileiro naval, então na maior parte do tempo você NÃO conta com armas de fogo para se livrar dos inimigos. Temos aqui uma dinâmica meio Hotline Miami, onde você pega uma arma no chão — como canos, escovas de cabelo, porretes, etc… –, derruba um inimigo por trás, pega a arma dele e vai fazendo isso até chegar no seu objetivo.

As armas de fogo são BEM fracas nesse jogo e isso é uma decisão proposital para forçar o jogador a ter esses encontros corpo a corpo. O chicote também pode ser usado para desarmar inimigos ou afastar os cachorros que volta e meia te atacam também.

De modo geral, você sempre vai passar por áreas restritas, com inimigos rondando bases. Daí dá para passar de forma sorrateira por diversos tipos de caminho que o jogo te oferece, ou até mesmo usando algum disfarce, como na série Hitman.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

História

A narrativa de Indiana Jones e o Grande Círculo se passa — assim como muitas obras derivadas da série — entre A Arca Perdida (1º filme) e A Última Cruzada (3º filme). Lembrando que o segundo filme, O Templo da Perdição, se passa antes do primeiro longa.

A aventura se passa em 1937. Um belo dia, um cara gigantesco invade a faculdade onde Jones leciona e rouba um artefato. Esse cara (Tony Todd) cai na porrada com Jones mas consegue fugir, fazendo com que o professor vá até o Vaticano atrás de pistas, onde ele escuta falar sobre diversos locais de significado espiritual espalhados pelo mundo.

Esses locais por sua vez, estão alinhados, formando o tal GRANDE CÍRCULO ao redor da Terra, e obviamente que os nazistas estão interessados nas relíquias presentes em todos eles.

Durante essa jornada atrás desses McGuffins, Jones é acompanhado da jornalista italiana Gina Lombardi (feita pela atriz Alessandra Mastronardi). Ela funciona mais ou menos como a Marion do primeiro filme, sendo inteligente e trabalhando ao lado do Dr. Jones, mesmo não estando sempre presente fisicamente ao lado dele enquanto você anda pelo mapa.

A dinâmica entre eles é ótima e permeia a narrativa de forma a engrandecer os diálogos. Em um mundo onde um relacionamento saudável entre homem e mulher em filmes e jogos é quase que visto como pecado, aqui pelo menos acertaram ainda que tenham amenizado Indy um pouco para que ele não pareça tão galanteador e sim mais compreensivo com os problemas pessoais de Gina.

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Destaque mesmo fica para o vilão Emmerich Voss, feito por Marios Gavrilis. É um ótimo personagem, ficando pau a pau com os outros antagonistas dos filmes bons da série e passando de longe algumas porcarias como aquela personagem ridícula da Cate Blanchett no quarto filme, por exemplo.

Ele é exagerado, grita, gesticula e proporciona cenas muito boas, não só com Jones mas também com seus soldados, trazendo um humor indireto que casa muito bem com as histórias contadas nos filmes.

Inclusive, esse é um forte do jogo: a forma como a narrativa é contada é leve e interessante, com enormes inspirações — tanto narrativas quanto visuais — vindas principalmente do terceiro filme (A Última Cruzada). Algumas cutscenes de briga, como uma em que todos lutam de forma caótica numa sala, é suco de Indiana Jones.

Indiana Jones e o Grande Círculo

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Quebra-cabeças e exploração

Gostaria de dar um destaque especial a essas duas coisas que são um destaque enorme nesse jogo. Indiana Jones e o Grande Círculo é, em primeiro lugar, um jogo de aventura. Assim, em boa parte do tempo você vai estar em lugares procurando o que fazer, como virar alavancas pra fazer cair água em um receptáculo, colocar um objeto numa plataforma para abrir uma porta lá do outro lado e afins.

Existem opções nas configurações que podem facilitar ou dificultar a solução desses quebra-cabeças. A minha recomendação é: tirem todas as dicas. O jogo não é tão complicado como um Professor Layton da vida, mas isso não quer dizer que os puzzles se resumam a coisas simplórias.

Indiana Jones e o Grande Círculo

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Inclusive, a maioria deles segue uma dinâmica de parecer ter uma solução super óbvia, mas aí acontece algo que quebra a expectativa e te fazem ter que repensar o processo.

A exploração nas tumbas e afins não precisa nem de mapa, de tão intuitivo que esses lugares são, mas as áreas abertas sim precisam que você cheque constantemente seu caderninho para saber para onde ir.

Aliás, o mapa também aparece de forma diegética, dentro desse caderno em posse do Professor Jones. Você abre, olha pra baixo e vê o local que está. É possível mexer nas configurações e deixar aquele velho waypoint mostrando o seu próximo objetivo, mas isso tira a graça do jogo.

Inclusive…

JOGUE NA DIFICULDADE DIFÍCIL!

Indiana Jones e o Grande Círculo possui diversas opções customizáveis, como de facilitar ou dificultar o combate, os puzzles e a exploração de forma independente. Como todo jogo moderno, o modo “Normal” na verdade é o “Super Ultra Fácil” e o “Difícil” é como os desenvolvedores esperem que você se divirta com o jogo.

Acredite em mim: tirar o marcador de objetivo da tela (fazendo com que ele apareça só quando você abre o mapa) e deixar o combate desafiador agem a favor de você e fará você se divertir muito mais.

Caso tenha medo, fique tranquilo, pois eu não também não sou um jogador tão bom assim — principalmente em jogos de primeira pessoa — e não tive dificuldade em quase nada mesmo no modo difícil de combate. Morri umas vezes aqui e ali mas isso só me fez gostar mais do jogo.

Por outro lado, vi muitas pessoas no Twitter dizendo que o jogo era fácil demais, mas nenhuma deles, quando questionada, falou que mexeu nas configurações de dificuldade. Essas opções existem para serem mexidas e você deve encontrar a forma que mais te agrada.

Vai por mim: é um jogo que assim como Deadpool (2013) — que joguei esse ano e me vi em situação semelhante — cresce e fica melhor quando a dificuldade básica é aumentada um pouquinho.

Indiana Jones e o Grande Círculo

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Trilha sonora e dublagem

A MachineGames fez um trabalho excelente em trazer a estética narrativa e visual dos filmes dos anos 80 para esse jogo moderno, sendo a dublagem em inglês e a trilha sonora grande parte disso.

Não temos John Williams compondo a trilha sonora, mas temos Gordy Haab, que já trabalhou em diversos jogos da LucasArts, incluindo o último game de Indiana Jones, o Staff of Kings (2009).

A trilha é ambiental em grande parte, mas quando a ação aumenta, ela evoca os temas dos filmes originais. E sim, o tema principal está presente, mas sinto que ele deveria tocar mais vezes.

Já sobre a dublagem, Troy Baker está excelente no papel de Jones, como citado muitas linhas acima. Gina, a protagonista feminina, é muito doce e seu sotaque italiano deixa ela mais agradável ainda de se ouvir.

Infelizmente para nós brasileiros, não tivemos uma dublagem tão boa assim. Ela foi feita pela Keyword Studios em São Paulo. Esse estúdio é especializado em localização de games e não trabalha com produções audiovisuais como filmes e séries.

Indiana Jones e o Grande Círculo

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Talvez por isso, não houve o mínimo de cuidado em trazer pelo menos o dublador atual do Harrison Ford, Guilherme Briggs. No seu lugar, tivemos Marcelo Pissardini, que apesar de ser um ótimo dublador, simplesmente não é a voz que as pessoas estão acostumadas quando veem a cara de Harrison Ford.

E caso você esteja pensando: “nossa, caguei, eu vou jogar em inglês”, eu tenho uma notícia meio ruim, caro amigo: mais uma vez a MachineGames não dá opção de escolher o áudio e o idioma das legendas dentro do jogo.

Ou seja, você é obrigado a jogar com textos e voz em português ou com tudo em inglês. É simplesmente inadmissível uma opção dessas, e mostra que a empresa não está preparada para as preferências dos consumidores fora dos Estados Unidos e Inglaterra.

Eu mesmo, que sou fã de dublagem em português preferi pela versão original, mas gostaria de ter pelo menos a opção de textos na nossa língua, ainda mais para um jogo com tantos diálogos e documentos a serem lidos.

Se você é fluente como eu, não vai te atrapalhar. Mas jogos são feitos para todo tipo de pessoa e privá-las dessa escolha é uma gigantesca bola fora.

Indiana Jones e o Grande Círculo

Divulgação: Bethesda / MachineGames

Veredito

Indiana Jones e o Grande Círculo não é o tipo de jogo que esperávamos, mas era o que precisávamos. Ele foge do padrão de jogos em terceira pessoa com narrativa épica que tanto existem por aí, trazendo algo diferente e com a mesma qualidade.

É ótimo rever Indiana Jones na tela no seu auge, sendo essa a melhor forma de resgatar a nostalgia com o personagem sem maltratar seu legado com filmes de qualidade inferior.

Se você gosta de jogos de exploração e combate stealth, esse pode ser seu jogo, mesmo que não tenha familiaridade com as aventuras do Dr. Jones. Quem sabe essa pode ser sua porta de entrada para essa grande trilogia de filmes.

Nota: 8/10

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Indiana Jones e o Grande Círculo está disponível para Xbox Series S|X, PC (Steam) e em breve para PlayStation 5. Esta análise foi feita com uma cópia do game gentilmente cedida pela Microsoft.