Dragon Quest | A origem dos JRPG’s
08/03/2018 0 Por Tony SantosAh, os RPGs… Existem diversas variantes dentro dessa descrição. Desde a origem do “role-playing game” moderno lançado em 1974, Dungeon
& Dragons, até suas versões eletrônicas, que por si só já se encaixam em diversos sub-gêneros. É o caso dos WRPGs (Fallout, Elder Scrolls) e dos tão adorados JRPGs.
É difícil falar de RPG japonês sem um viés nostálgico. Para nós ocidentais — e brasileiros, principalmente — o auge do gênero foi durante a era PlayStation.
A facilidade em conseguir jogos, apoiados pelas revistas da época que tornavam um jogo de três discos em japonês algo palatável nos trouxe à tona a cultura e o storytelling japonês, que até então só conhecíamos através de desenhos animados cheios de clichês (sim, Cavaleiros, estou falando com você).
O caso é que antes da era 32-bits tivemos outras DUAS, onde a base para o desenvolvimento desse gênero se encontra. Se no Playstation tivemos a gênese do FMV (“Full-motion Video”, ou “CG”, como a galera da antiga conhece), no SNES tivemos a consolidação do gênero, com gráficos superiores aos da primeira geração de JRPGs.
Essa, por sua vez, aconteceu no NES/Famicom, com Dragon Quest.
CRIAÇÃO
Em 1985, Yuji Horii, criador da série e que está envolvido com a mesma até hoje, teve a ideia de criar um jogo similar às séries Ultima e Wizardry, RPGs tradicionais da época, mas que eram pouco difundidos no Japão por causa da barreira linguística.
O conceito era interessante: fazer algo com a mesma estética, porém simplificado, de modo que fosse possível aproveitá-lo sem conhecimento prévio de um livro gigantesco de regras. Assim, Horii deu foco ao storytelling e ao lado emotivo da história, além do sistema de combate mais simples.
A arte do jogo ficou (e fica até hoje), a cargo de Akira Toriyama, que na época acabara de começar a ser reconhecido por seu mangá Dragon Ball, enquanto que a trilha sonora nas mãos de Koichi Sugiyama, hoje conhecido como “o” compositor de todos os jogos de Dragon Quest, mas que até então só havia trabalhado com alguns filmes de Cyborg 009 e Gatchaman, além de ter trilhado alguns tokusatsu.
Com esse time principal — além de outros talentosos e desconhecidos programadores da Chunsoft — não era difícil imaginar que o jogo
seria o sucesso que foi, vendendo mais de dois milhões de cópias somente no Japão.
No ocidente, seu sucesso foi muito mais moderado, até mesmo os reviews da época o colocavam como importante e fora de série, porém dando destaque aos seus problemas, que afetavam muito mais o jogador ocidental impaciente do que o japonês. Aliás, é bom notar que seu lançamento ocidental recebeu críticas negativas MESMO após as diversas adaptações que foram feitas pela Enix, como:
- O nome do jogo foi alterado para “Dragon Warrior”, para evitar problemas de copyright. Isso só veio a ser corrigido no oitavo jogo, que saiu no Playstation 2!
Os sprites dos personagens foram redesenhados. O curioso é que eles parecem mais “anime” na versão americana. O original era tão simples que os bonecos só ficavam voltados para frente, mesmo quando se
movimentavam para os lados. - Devido ao problema dos sprites não girarem na versão original, a interação com cenário e pessoas era feita da seguinte forma: abrir o menu -> escolher ação -> apertar o direcional para o lado que você quer interagir.
- Como na versão ocidental o boneco já gira, não é necessária a parte de escolher o lado.
- A versão japonesa não possuía bateria pra salvar, usando um sistema de passwords (?!). Na ocidental, além do save, foram dados 3 slots, com a possibilidade de copiar e deletar.
- Os diálogos no original possuíam grande influência do tipo
de humor do Akira Toriyama. A versão em inglês trocou isso por um texto cheio de inglês pseudo-arcaico, cheio de “thou”, “thy”, “ye” e afins. Aparentemente isso foi adorado pela crítica, mas é um saco pra quem não é fluente na língua!
GAMEPLAY
A história e jogabilidade de Dragon Quest são tão simples que um não-iniciado no gênero diria que esse jogo é uma demo feita no RPG Maker. E não é pra menos. A história gira em torno do Herói (nome a sua escolha, mas que a partir de agora chamarei de SHU, porque sim), que começa sua aventura no castelo de Tantegel, onde o Rei Lorik te passa a missão: vencer o Dragonlord e resgatar a princesa.
Após ganhar um equipamento básico e um pouco de Gold, você está livre pra explorar o continente ao redor do castelo. O loop de gameplay é interessante: ande pelo mapa, mate monstros, entre nas cidades pra buscar
informações e avance. Ah! E diferente de outros RPGs, nesse você é um guerreiro solitário.
Não há party, mas por outro lado, você só enfrenta um inimigo de cada vez.
Toda informação necessária pra avançar na história é bem fácil de se encontrar e muito claras, algo incrível pra um jogo da época (ou talvez seja graças a tradução atualizada da versão para Android que usei para esse
review), ainda mais se compararmos com Final Fantasy I e II, dois jogos onde a paciência do jogador vai literalmente para o caralho quando o mesmo trava em alguma parte.
Aqui em DQ, seu maior inimigo é o próprio sistema de experiência: subir de level é extremamente maçante, te colocando de tempos em tempos em barreiras de nível onde só se consegue ter alguma chance contra os inimigos de determinadas áreas depois de subir uns 5 ou 6 níveis e ainda assim, usando os melhores equipamentos. Analisando com bom senso, é fácil entender os motivos pra isso: era o primeiro jogo de um gênero completamente novo, sem falar que a aventura em si é bastante curta, tendo que ser compensada com dificuldade, algo comum nos jogos da época.
Usando fast forward do emulador e sabendo todos os segredos, o jogo pode ser terminado em 2 ou 3 horas no máximo, porém isso tira toda magia de jogar Dragon Quest, já que muito da experiência do jogo consiste na descoberta dos seus segredos, seja por conta própria ou trocando informações com os amigos.
Sobre o sistema de combate, é sempre 1 contra 1 como já foi dito, com comandos simples como Ataque, Magia/Habilidade, Item e Fugir.
A prioridade de ação é sempre de quem tiver maior Agilidade, por isso evite
deixar pra se curar quando estiver com pouca vida, pois seu inimigo pode atacar primeiro e acabar com seus planos, te fazendo voltar para o castelo do rei com metade de seu dinheiro como punição! (PS: nas versões modernas foi implementado quick save, que é basicamente um save state, então não dói tanto quanto parece).
INFLUÊNCIA NO JAPÃO E NOS RPG’S
Quanto mais eu jogava Dragon Quest, mais me impressionava o
quanto eu conhecia daquele mundo/estética sem nunca ter tocado no primeiro jogo. O herói SHU (não esqueceram dele né?) e sua armadura azulada, a arte dragonbolística, o cenário em si, suas cidades com “INNs” e lojas com placas contendo apenas o desenho de espadas, escudos ou poções indicando a finalidade daquele estabelecimento… Tudo aquilo me parecia muito natural e não era à toa, pois o universo de videogames no Japão mudou completamente depois da chegada de Dragon Quest em 1986.
Obviamente, sem DQ, não teríamos no ano seguinte o estrondoso Final Fantasy, que até hoje é lembrado por ter esse nome devido a (falsa) lenda de que seria o último jogo da Square, lançado apenas um ano depois de Dragon Quest.
Falando em Final Fantasy, é igualmente falso achar que ele é o jogo de RPG mais famoso no Japão, pois por lá a grande influência é o próprio Dragon Quest! FF é mais reconhecido como a cara do JRPG no ocidente, enquanto a série DQ é vista como um produto bem mais “nacional” e é tratado com muita nostalgia pelo público japonês.
Aliás, esse apelo nostálgico para com a série é vista em basicamente todo tipo de mídia feita no Japão: é muito provável que você leitor tenha visto algum anime que faz paródia de RPGs, usando gráficos 8-bits e heróis com um arco na cabeça ou um capacete com chifres, enfrentando um “Grande Rei Demônio” sem rosto. Isso é uma referência clara à série e acontece em diversos meios de entretenimento.
O outro lado da moeda desse saudosismo é que muito do potencial da série é perdido, pois a Enix (hoje fundida com a Square) sempre teve medo de ousar demais e perder os fãs antigos do jogo.
Por isso que até o sétimo jogo houve pouquíssimas evoluções em termos de design e gameplay. Até mesmo os efeitos sonoros dos jogos clássicos são usados até hoje em todas as suas continuações. Confesso que sem o efeito da nostalgia, fica um pouco doído ouvir efeitos sonoros 8-bits em um jogo de Playstation 2, por exemplo:
Foram feitos alguns spin-offs, incluindo os recentes Dragon Quest HEROES (baseado na franquia Dinasty Warriors) e o EXCELENTE clone de Minecraft, Dragon Quest Builders que aliás, é uma ótima porta de entrada pra série tanto para adultos quanto para crianças.
Fica aí a recomendação.
CONCLUSÃO
Dragon Quest I é a origem de muita coisa que gostamos hoje em dia e talvez fosse um clássico para nós brasileiros — assim como Final Fantasy — caso tivesse sido mais acessível em sua época de ouro. Apesar da dificuldade elevada, você pode sempre voltar no mapa e melhorar seu personagem (SHU!) pra se aprimorar.
A campanha é curta e pode ser apreciada em pequenas horas de gameplay, porém aviso que farmar experiência não é lá muito divertido, porém é um ótimo passatempo pra momentos de ócio, como no transporte público. O jogo foi portado até pra SUA MÃE se bobear, com versões de NES (original), MSX, SNES, Gameboy Color, PS1, Java, consoles atuais, iOS e Android, sendo essa última utilizada para esse texto. Suas mudanças são no gráfico, baseado na versão de Java e a tradução, que agora usa termos em comum
com os jogos mais recentes.
É a forma mais fácil de jogar, pois além das facilidades de gameplay, ela custa apenas R$ 8,49 na Play Store. Jogue, anote todas as dicas que encontrar para não se perder depois, mate muitos slimes e aproveite o início do melhor gênero de jogos feito no Japão.
Sobre o Autor
Proto-engenheiro eletricista, amante dos bons jogos e crítico incondicional de coisas que eu não gosto.