Persona 5 | Falta de tempo e a vida adulta
10/05/2017Eu pensei em diversas formas diferentes de abordar Persona 5 em um texto. A última coisa que escrevi sobre videogames foi um review de Paper Mario: Sticker Star nos moldes de revistas dos anos 90.
Foi um texto funcional e basicamente uma reclamação de como aquele jogo – que deveria ser um RPG divertido – tinha falhas de design graves, como batalhas onde você prefere evitar porque não te recompensam, uma história patética até para os padrões de Mario e um final claramente corrido para o jogo ser vendido em tempo de fazer algum dinheiro.
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Hoje, quatro anos depois dessa decepção, vejo como meu interesse por JRPGS se tornou um hobby impraticável: jogos extensos, normalmente com 60 a 150 horas de duração, onde tirar uma semana pra descansar já faz com que você perca algum contexto e se sinta perdido na história.
Em 2013 minha vida era mais fácil, onde eu tinha tempo livre suficiente para dedicá-lo até mesmo a um jogo estúpido como do meu review anterior, porém muita coisa mudou de lá pra cá: faculdade, trabalho e família. Todas coisas que eu não julgava ser tão prioridade na época se tornaram grande parte do meu dia, e passar mais de 3 horas em um jogo diariamente se tornou um luxo que infelizmente eu não tenho.
É claro que não virei pai ou coisa parecida. Continuo mantendo o mesmo status quo, porém mesmo quando arranjo algum momento de ócio, não me sinto compelido a me dedicar por tanto tempo a algo que no fim, vai me entregar uma história que eu poderia encontrar em um filme ou anime de 12 episódios que poderia ser assistido no metrô, sem gastar um precioso espaço do meu dia.
É claro, tudo isso até jogar Persona 5.
Entrar em um mundo de JRPG exige muito mais do que o hype inicial. Tempo livre e saber mais ou menos quanto tempo aquele jogo vai durar são só algumas das coisas que vai te ajudar a saber se passar as próximas 100 horas (pelo menos) em um mesmo jogo vai valer a pena ou se vai ser apenas um tempo mal investido.
O engraçado de falar e pensar tanto sobre “como aproveitar meu tempo” é ver que isso seja algo comum na vida de quase todo jovem adulto que está começando a se importar de verdade em como gerenciar seu tempo, e é muito curioso como fui me deparar com isso justamente nesse jogo.
Em uma época onde o mindset de quem fala sobre videogames é procurar traços da vida real e seus problemas em um entretenimento que deveria servir principalmente como escapismo, é até cômico notar como as semelhanças de Persona 5 com a realidade vão desde coisas realmente sérias até as situações mais banais do cotidiano.
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Digo isso porque são abordados temas em voga atualmente como abuso físico, extorsão e até a política do Japão! Mas o que mais me ligou foi justamente o lado trivial de tudo isso, ou seja, as miudezas; a forma como os dias são abordados pelas mecânicas do jogo.
Você deve – assim como na vida real – aproveitar bem seu dia e da melhor forma possível, fazer com que seu personagem evolua, tanto em poder como socialmente durante oito meses, levando-o ao clímax da história, de preferência sendo a pessoa mais forte e mais descolada de Tóquio, tudo isso em determinados blocos de tempo durante os dias da semana, de modo que escolher estudar, por exemplo, irá te fazer perder uma manhã de domingo que poderia ser utilizada caçando monstros e subindo de nível.
E é justamente essa semi-linearidade que me atrai na série Persona: você não está solto em um mundo aberto onde uma semana sem jogar já te faz perder completamente o rumo e o ânimo de ligar o console, ao mesmo tempo em que a cidade de Tóquio – mais especificamente o distrito de Shibuya e proximidades – tem tanto a te oferecer, que é basicamente impossível fazer tudo que o jogo te oferece no seu primeiro playthrough.
Ter que escolher o que fazer na manhã — em dias em que não tem aula, OBVIAMENTE –, tarde e noite, tendo que dividir seu tempo entre estudar, melhorar suas habilidades, se relacionar com as pessoas da cidade e treinar nas dungeons que o jogo te apresenta, é um conceito bastante aditivo, que facilmente funcionaria em um portátil (aliás, já funcionou em Persona 3 Portable e Persona 4 Golden), já que as marcações dos dias e tempos livres são tão importantes que dificilmente o jogador se perde, funcionando como um diário de suas atividades.
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Os menus, que além de estilosos como toda a identidade visual do jogo, são simples e contêm toda informação necessária, como seus status sociais, experiência e até um log da história, que parece feito justamente para pessoas que tem a vida corrida como o personagem principal.
A navegação pelos cenários é fácil, já que com um botão você teleporta (ou melhor, pega o metrô) para outra área, onde pode procurar por pessoas ou side-quests novas, que inclusive estão sempre mostradas no mapa do jogo, evitando que você fique rodando pela cidade atrás de algo para fazer. Eu, claro, só posso agradecer.
Aliados a essas facilidades – que em nada fazem o jogo ser menos desafiador – temos o sistema de batalha, talvez um dos melhores no gênero e que mostra que a equipe da Atlus analisou toda a bagagem da série Shin Megami Tensei e trouxe o melhor dos jogos anteriores.
As lutas ainda funcionam como Persona 3 e 4: use a fraqueza do oponente contra ele e ganhe um turno extra. Em P5, isso foi simplificado de forma que uma fraqueza já explorada pode ser acessada rapidamente apertando R1, levando o cursor direto para a persona e skill a ser utilizada, evitando assim a perda de tempo de procurar exatamente qual monstro seu tem a habilidade necessária para derrubar o inimigo.
Tudo citado nos últimos dois parágrafos foi com o objetivo de trazer um pouco daquele review explicativo e didático da minha época com mais tempo livre. Ok, me desculpem, eu sei que esse tipo de texto em forma de Ação Games Especial não está na moda, porém lembrar dessa época onde ter tempo livre não era um luxo, me deixa feliz por Persona 5 existir.
No último mês consegui me dedicar completamente ao jogo – mesmo com todos os fatores já citados — até em dias onde eu só tinha 1 ou 2 horinhas pra invadir uma dungeon, dar em cima da professora que trabalha de empregadinha nas horas vagas ou pescar um puta peixão dourado que além de um troféu, me encheu de orgulho, quase como se fosse uma pescaria de verdade.
São tantos detalhes, como aprender a fazer café de qualidade, passear na cidade em dias de chuva, matar demônios em um metrô distorcido que só existe no subconsciente coletivo dos cidadãos e comprar presentes numa loja de conveniência, que a imersão vem naturalmente, mesmo jogando aos poucos.
Persona 5 não é sobre passar horas matando inimigos num campo aberto, mas sobre detalhes. Detalhes esses que podem ser apreciados em longas jornadas com o console pelando, ou em ciclos curtos de pessoas que como eu, não têm tempo pra se dedicar a histórias longas.
Por isso, por mais que a temática de P5 seja sobre mudar o coração de pessoas, utilizando como caminho alguns assuntos considerados até como tabu pelos japoneses, insisto que o principal atrativo da série seja o “tempo”.
É extremamente válida a abordagem de temas pesados, que sempre foi um ponto forte de Shin Megami Tensei, porém ouso dizer que crítica social implícita seja um tema batido e dependendo da forma como é colocado, até mesmo sem impacto.
Não é pra menos, já que pessoas influentes no meio pedem esse tipo de abordagem, em um nível em que sites famosos como Kotaku e Polygon fazem parecer que a falta de foco em questões sociais seja um demérito pra qualquer jogo que não seja feito pela Nintendo.
Andando contra essa maré, existem pessoas que só querem apreciar um bom jogo; seja um game de corrida bem feito, um FPS onde as mecânicas vão muito além do realismo (alô, Overwatch) ou até mesmo um RPG que, diferente do Paper Mario que joguei quatro anos atrás, entrega tudo que eu esperaria de um simples jogo de videogame.
E em uma época onde as pessoas procuram traçar paralelos com questões super sérias da nossa sociedade, me alegra saber que eu e o protagonista de Persona 5 tempos algo em comum: hoje em dia sabemos como aproveitar bem melhor o nosso tempo.